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domingo, 27 de fevereiro de 2011

STJ ignora teto e paga supersalário a seus ministros.



Por Felipe Coutinho, na Folha:

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) usou brecha para driblar o teto salarial de R$ 26.700 imposto pela Constituição e pagou no ano passado em média R$ 31 mil aos ministros que compõem a corte-quase R$ 5.000 acima do limite previsto pela lei. O tribunal gastou no ano passado R$ 8,9 milhões com esses supersalários. Um único ministro chegou a receber R$ 93 mil em apenas um mês. Uma planilha com as despesas de pessoal do STJ mostra que, na ponta do lápis, o valor depositado na conta da maioria dos ministros supera o teto constitucional. Dos 30 ministros, 16 receberam acima do limite em todos os meses de 2010.
No total, o STJ pagou mais de 200 supersalários -em apenas 26 casos houve devolução de parte do que foi depositado pelo tribunal. O salário final dos ministros é aumentado, na maioria dos casos, graças ao abono de permanência -benefício pago a servidores que optam por continuar em atividade mesmo tendo contribuído o suficiente para se aposentar. Esses valores variaram entre R$ 2.700 e R$ 5.500, e foram depositados em 2010 nas contas de 21 ministros. “Por que um servidor que ganha R$ 10 mil pode receber e quem está perto do teto não? A lei não vale para todos?”, questiona o presidente do STJ, Ari Pargendler.

“VANTAGEM PESSOAL” 

A Constituição afirma que esse pagamento -rubricado como “vantagem pessoal”- deve estar incluído na conta do teto constitucional. O pagamento de R$ 93 mil foi feito em agosto, para um ministro que recebeu auxílio de R$ 76 mil para se mudar para Brasília com a mulher e os filhos. O tribunal não divulga o nome dos ministros na folha salarial. Os supersalários pagos no STJ não se repetem em órgãos similares. 
Por Reinaldo Azevedo


Já pro trabalhador assalariado....


O mínimo se torna cada vez mais mínimo.

O Papa João Paulo II dizia que o justo salário se torna em todos os casos a verificação concreta da justiça de cada sistema sócio-econômico e, em qualquer hipótese, de seu justo funcionamento. Isso não funciona neste país...





sábado, 26 de fevereiro de 2011

ADVOGADO É REALMENTE DOUTOR?



Essa é uma questão muito discutida na sociedade e no mundo acadêmico. Ontem mesmo foi motivo de debates na minha sala. Obviamente houve divergências. Claro que cada um tem sua opinião, respeito isso, porém, sempre procuro me aprofundar nos assuntos que me interessam, e pesquisando, descobri que a  afirmativa da pergunta em questão tem fundamento. Um Decreto Imperial ( DIM ), de 1º de agosto de 1825, pelo Chefe de Governo Dom Pedro I, deu origem a Lei do Império de 11 de agosto de 1827, que criava dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais. O regulamento do referido estatuto para o curso jurídico, dispõe sobre o Título (Grau) de doutor para o advogado. Descobri também que o  Decreto n.º. 17874ª, de 09/08/1927,  declara feriado o dia 11/08/1827, data em que se comemora o centenário da criação dos cursos jurídicos no Brasil. O silogismo é simples, a  Lei do Império criou o curso e em seu bojo afirmou que os acadêmicos que terminassem o curso de Direito seriam bacharéis. O título de Doutor seria destinado aos habilitados nos estatutos futuros (como o Estatuto da OAB, hodiernamente usado). Acrescenta que somente Doutores poderiam ser lentes (do Latim Legente), ou seja, professores. Assim, tendo o acadêmico completado seu curso de direito, sido aprovado e estando habilitado em Estatuto competente teria o Título de Doutor.

Há quem conteste a  referida Lei do Império, e alegue para tal, que não vigoravam os princípios republicanos e que os títulos serviam para criar diferenças entre os indivíduos, como se alguns merecessem mais respeito ou fossem mais dignos simplesmente por ostentarem algum título ou pertencerem a determinada classe. Tal cenário não se coaduna com a atual Carta Constitucional. Ademais, não havia em tal época curso de doutorado, o que justificaria, naquele momento, a utilização do título de doutor conforme dispunha a Lei Imperial. Resta evidente que o contexto atual difere bastante do de então. Do ponto de vista técnico podemos considerar o seguinte:
O art. 9o da Lei do Império de 1º de agosto de 1825 foi tacitamente revogado pelo art. 53, VI da Lei de Diretrizes Básicas, que garante às universidades a atribuição de conferir graus, diplomas e outros títulos. Além do mais, é óbvio que esse decreto jamais poderia ter sido recepcionado pela Constituição de 1988 por sua afronta ao princípio da igualdade. Bem, o Principio da Igualdade (caput do art. 5º da nossa Constituição Federal) é um desafio a inteligência dos juristas, pois é necessário antes, determinar os conceitos de "iguais" e "iguais perante a lei". Assim, cumpre como papel do jurista a interpretação  do conteúdo dessa norma, tendo em vista a sua finalidade e os princípios consagrados no Direito Constitucional, para que desta forma o princípio realmente tenha efetividade.

Quanto à origem da palavra, se considerarmos que doutor é quem defende uma tese, então seriam doutores todos os que defendem tese em conclusão de curso (bacharelados), em iniciação científica ainda na graduação, nas tribunas das câmaras de vereadores, assembléias legislativas, Câmara dos Deputados, Senado. Teríamos que chamar de doutor todos os que defendem teses como, por exemplo, os economistas. Os próprios padres, pastores e outros religiosos de maneira geral também defendem teses e causas. 

Assim, só é doutor quem tem um diploma universitário de doutor? O que você acha?

Doutor provém do latim docere (“ensinar”). Os “doutores da lei” ensinavam a lei hebraica. Na Idade Média, doutor era quem estava apto a lecionar. Doutoramento (português europeu) ou doutorado (português brasileiro) é um grau acadêmico concedido por uma instituição de ensino superior universitário, que pode ser uma universidade, um centro universitário, uma faculdade isolada ou até mesmo um hospital (como o Hospital Antonio Prudente, referência mundial no estudo de câncer), que tem o propósito de certificar a capacidade do candidato para desenvolver investigação num determinado campo da ciência (no seu conceito mais abrangente).

Neste grau acadêmico espera-se que o aluno adquira capacidade de trabalho independente e criativo. Esta capacidade deve ser demonstrada pela criação de novo conhecimento e será validada por publicações em bons veículos científicos ou pela obtenção de patentes. É essencial para a seleção ao doutorado a demonstração de qualidades e experiência em pesquisa. Um bom currículo acadêmico na graduação é condição indispensável.

No Brasil, somente têm validade nacional os doutorados obtidos em cursos recomendados pela CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Títulos obtidos no exterior precisam ser reconhecidos por programas recomendados pela CAPES, conforme o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. É equivalente ao PhD (Philosophiæ Doctor) atribuído nas universidades anglo-saxônicas.

Como vimos, o título de “Doutor”, deve ser expressamente outorgado por uma instituição de ensino reconhecida pelo MEC e recomendada pela CAPES, que é responsável pela expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os estados da Federação.

Há no consuetudinário um subentendido de que o indivíduo formado em Direito possui regular sabedoria, uma vez que o curso de direito é considerado um curso nobre, dentre outros, que tratam de disciplinas e assuntos sociais abrangentes.

Um advogado me disse hoje que mais importante que o título é o conhecimento, e este ninguém obterá simplesmente ostentando "duas letras" antes do nome.

E disse também que existe profissionais (advogados) que, após um curso de graduação, normalmente com duração de 5 anos, que já se intitulam doutores. Por outro lado, tem aquele profissional que cumpriu sua graduação, de igual ou maior duração que o supra citado, e que ainda galgou conhecimento acadêmicos em um mestrado (2 anos) e doutorado (4 anos), totalizando algo em torno de 10 anos de formação acadêmica.

A premissa acima nos faz concluir de que a formação destas duas pessoas foi, sem sombra de dúvida, distinta.

Conversar com ele me fez observar que o grande problema é se usar o mesmo adjetivo para designar o título honorífico e a profissão jurídica.  

Por isso, cito como exemplo a decisão do juiz Alexandre Eduardo Scisinio, da 9ª Vara Cível de Niterói, que julgou a causa de seu colega no RJ sobre o pretenso tratamento que foi preterido pelo porteiro de seu prédio: 

"Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes.Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de “você” e “senhor” traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais"

Ressalte-se, que a sentença somente afirma que o título não se cumpre ao uso na relação social. E isso não implica em tratamento diferenciado, muito menos em status diferenciado. Títulos acadêmicos não são pronomes de tratamento, devendo ter seu uso restrito ao mundo acadêmico e quando estritamente necessário. 

A palavra "Doutor" tem dois únicos significados e, conseqüentemente, deveria ser empregada somente nos casos a eles pertinentes: "médico", por tradição, ou um determinado grau de estudo universitário obtido em uma especialização além do bacharelado. Contudo, o emprego indevido de "Doutor" é comum entre as pessoas mais humildes e sem instrução, e por funcionários mal preparados, que associam a palavra Doutor a um status social ou a um nível de autoridade superior ao seu. Essas velhas divisões não são condizentes com a democracia.

É necessário lembrar que não existe lei que obrigue uma pessoa comum a tratar uma outra por Doutor. Esse tratamento só é obrigatório nos meios acadêmicos para aqueles que fizeram defesa de tese.

Quando estabelecer um novo relacionamento, limite-se ao uso de "Senhor", e não utilize "Doutor", exceto numa relação profissional, se “assim desejar”, caso esteja sob os cuidados de um profissional formado, como o advogado por exemplo.









quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

PRINCIPIOS QUE INFORMAM A ATIVIDADE PROBATÓRIA E SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DAS PROVAS.


Para a boa aplicação do Direito, em geral, e para a efetivação da norma no processo, em especial, o intérprete não pode prescindir de uma visão principiológica.
Princípio é toda estrutura sobre a qual se constrói alguma coisa. São ensinamentos básicos e gerais que delimitam de onde devemos partir em busca de algo, verdades práticas que visam treinar nossa mente para melhor discernirmos sobre os caminhos corretos a serem tomados nos objetivos. È através deles que podemos extrair regras e normas de procedimento.
Os Princípios jurídicos são os pilares, as bases do ordenamento. Eles traçam as orientações, as diretrizes que devem ser seguidas por todo o Direito. A estrutura do Direito é corolário de tal forma dos princípios jurídicos, que dificilmente pode-se dissertar doutrinariamente sobre qualquer tema decorrente desta ciência, sem que haja uma série de princípios a serem citados.
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
A história das civilizações tem mostrado que os povos, em seus diversos graus de desenvolvimento, inclusive os mais primitivos, sempre se moldaram através de valores de comportamento, e sempre editaram normas de condutas, atribuindo desde valores específicos a direitos individuais como a vida, a liberdade, entre outros, como, cotejá-los com os valores atribuídos às condutas, até a punição o transgressor daquelas normas individualizadas de conduta obrigatória.
Ao criarem normas de condutas, as civilizações criaram também, normas sancionadoras, ou seja, normas punitivas para serem aplicadas aos infratores das regras gerais, porém, respeitando sempre os valores maiores representados pelo homem e pelo direito, assim, para aplicação de qualquer punição individual, nasceu simultaneamente às regras de conduta, as formas de solução dos conflitos e aplicação das normas incriminadoras.
O processo tem por finalidade a apuração do fato criminoso e de sua autoria, para a respectiva sanção.
            Provar é fornecer, no processo, o conhecimento de qualquer fato, adquirindo, para si e gerando noutrem a convicção da substância ou verdade do mesmo fato.
  
PRINCÍPIOS QUE INFORMAM A ATIVIDADE PROBATÓRIA.

A produção da prova no processo penal respeita certos princípios, dentre os quais se pode identificar:

a)Princípio da não-auto-incriminação. É princípio consubstanciado no brocardo latino “nemo tenetur se detegere”. O acusado não pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Esse princípio é fundamento para o direito constitucional ao silêncio, que tem por conteúdo a não-obrigatoriedade de que o investigado, em inquérito policial, ou o réu, no caso do processo penal, responda às questões que lhes são dirigidas por ocasião da sua oitiva. Também se funda nesse princípio a não-obrigatoriedade de que o investigado ou réu colabora na produção de qualquer prova em favor da sua incriminação. É importante ressaltar que o silêncio ou a não-colaboração, conforme o caso, não podem ser interpretados contrariamente à defesa, não servindo de prova contra o acusado.

b) Princípio da comunhão ou aquisição dos meios de prova. A prova, conquanto seja produzida por uma ou outra parte, ou mesmo por determinação ex officio do próprio juiz, uma vez integrada aos autos, passa a servir indistintamente ao juízo, e não a quem as produziu. Por esse princípio, a prova produzida pelas partes integra um conjunto probatório unitário, podendo favorecer a qualquer dos litigantes.

c)Princípio da audiência contraditória. Em respeito ao princípio do contraditório, toda prova trazida aos autos deve ser submetida à outra parte, que terá direito de conhecer seu teor e impugná-la, caso queira, e de oferecer contraprova. Trata-se de um mecanismo para garantir a igualdade de oportunidade, entre as partes, no intuito de influir no convencimento do julgador.

d)Princípio da auto-responsabilidade das partes. É princípio que se relaciona intimamente com a questão do ônus da prova, segundo o qual compete às partes produzir as provas dos fatos ou alegações que lhes favoreçam.

e) Princípio do livre convencimento motivado. O livre convencimento motivado é princípio cujo conteúdo é especialmente dirigido ao julgador na prática de atos de conteúdo decisório, conforme já se mencionou anteriormente. Segundo esse principio, ao juiz é dado valorar os elementos probatórios de acordo com a sua convicção, liberto de parâmetros disponíveis, considerando-os em seu conjunto, e contanto que fundamente sua decisão, indicando os elementos de prova preponderantes na formação de seu convencimento. É, conforme já dito, regra que visa concretizar na prática dos atos processuais a garantia do contraditório. Por meio da motivação, o juiz consubstancia em linguagem o processo dialético que redunda na decisão, conciliando os argumentos contrários das partes em um arrazoado único.

Em nosso sistema não existe hierarquia de provas, ou seja, não há, a priori, a determinação de meios de prova mais ou menos relevantes para a resolução das questões controvertidas. É o julgador que, em face das circunstâncias de cada caso que se lhe apresente, determinará os elementos que servirão de fundamento para suas decisões. Entretanto, é vedado ao magistrado fundamentar sua decisão apenas nos elementos carreados na fase investigatória, excepcionadas as provas cautelares, as irrepetíveis e as antecipadas (art. 155, caput, do CPP).

f) Princípio da oralidade. Por esse princípio, prefere-se a palavra falada sobre os escritos. Regem principalmente as provas produzidas em audiência, motivo pelo qual os depoimentos são, tanto quanto possível, prestados oralmente, permitindo-se apenas em casos excepcionais seja prestado por escrito. O princípio da oralidade é explicitamente previsto para os processos de competência dos Juizados Especiais Criminais . No procedimento ordinário, a oralidade é relativizada. 

g) Princípio da publicidade. Determina que a instrução criminal seja pública, assim como o restante dos atos processuais, salvo as exceções legais (art. 792, 1º, do CPP).

h) Princípio da concentração. As provas, tanto quanto possível, deverão ser produzidas em audiência, salvo nas hipóteses de urgência ou de necessidade de realização antecipada.

i) Princípio da proporcionalidade. Esse princípio vem mitigar a proibição absoluta das provas obtidas por meios ilícitos. A fundamentação daqueles que defendem sua existência reside na idéia de que a luta contra a criminalidade, sendo um bem jurídico inegavelmente valioso, e a busca da verdade, justificam, em certas ocasiões, que a utilização de uma prova ilícita seja admissível, desde que haja notória preponderância entre valor do bem jurídico tutelado em relação àquele que a prova desrespeita.

É possível dizer, portanto, que a vedação à prova ilícita não é absoluta, devendo ceder nos casos em que se oponha a interesse de maior relevância. Um exemplo a citar é a hipótese de interceptação telefônica realizada sem ordem judicial que possibilitou a libertação de vítima de extorsão mediante seqüestro.

No processo penal brasileiro, nos procedimentos ordinário e sumário vigora o princípio da identidade física do juiz, uma vez que o magistrado que presidir a instrução proferirá a sentença (art. 399, 2º, do CPP). Fala-se igualmente em identidade física nos julgamentos pelo Júri Popular, visto que os jurados, perante os quais se produz a prova testemunhal e se debate a causa, são os juízes leigos que julgarão os fatos.

 SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DAS PROVAS.

Já se escreveu que vige no sistema processual brasileiro o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o juiz é livre para atribuir valores às provas produzidas no processo, desde que o faça de acordo com critérios racionais e exponha os motivos que o levaram à decisão. Trata-se de um sistema, ou método, de apreciação de provas, que visa combinar a transparência no julgamento com relativa liberdade do julgador na valoração da prova.

Ao longo da história, entretanto, o processo conheceu vários sistemas de valoração da prova, que se amoldavam aos diferentes constumes e circunstâncias históricas de cada povo. Citam-se, a seguir, os mais relevantes:

a) Sistema ordálico ou dos ordálios. Os ordálios ou juízos de Deus se baseavam na crença de que o ente divino intercedia no julgamento, demonstrando a inocência do acusado que conseguisse superar a prova imposta: inocente, acreditava-se, não se produziria queimadura. Cabia ao julgador somente a constatação do resultado final. O julgamento, nesse caso, era, em geral, desvinculado da averiguação de quaisquer circunstâncias relativas aos fatos que constituíssem o delito imputado ao acusado.

Dividiam-se entre ordálios unilaterais e ordálios bilaterais.

As ordálias – ou ordálios – unilaterais, forma de prova conhecida pelo direito primitivo, a qual se generalizou no século VIII, têm na água e no fogo os seus elementos “reveladores”. Tratava-se de um ritual solene em que o “paciente” frequentemente deveria vestir hábitos religiosos, despindo-se de suas vestes comuns, a fim de eliminar quaisquer talismãs ou proteções mágicas. Realizava-se uma missa na qual se benziam os instrumentos de prova, e após a celebração da missa, enquanto o público cantava salmos, o investigado/acusado submetia-se à prova, que nos séculos VIII e IX era praticada em quatro espécies: a) ordália da água fervente (aqua fervens): o acusado mergulhava a mão em recipiente contendo água escaldante para retirar dali um anel ou uma pedra e averiguar depois as condições de sua mão. Se ao fim de três dias a queimadura tivesse um mau aspecto, o acusado seria considerado culpado; b) ordália do ferro vermelho (ferrum candens): o acusado deveria segurar na mão um ferro incandescente e com ele caminhar nove passos; após, analisava-se a condição da queimadura para a verificação de sua inocência ou culpa; c) ordália da água fria (água frigida): era a mais inofensiva das provas e ao mesmo tempo a mais favorável ao acusado. Este era mergulhado com os joelhos abraçados ao peito em uma peça benzida, seria rejeitado por esta; d) ordália da cruz (judicium crucis): vigente à época de Carlos Magno. Por ela, os envolvidos no litígio penal – um acusador e um acusado – deveriam simplesmente ficar frente a frente, em pé, e manter os braços em forma de cruz; seria considerado vencido (culpado ou mentiroso) aquele que primeiramente baixasse os braços.

As ordálias bilaterais eram, por excelência, o duelo judiciário, no qual os adversários se enfrentavam em um “combate singular”: entendia -se que Deus ou seus anjos ficariam ao lado do justo para o proteger, e este venceria o duelo.

Tal sistema probatório é evidentemente fundado em crenças supersticiosas e desvinculadas da racionalidade e da busca pela verdade dos fatos, relacionando-se historicamente ao período da Idade Média, em especial naquelas localidades da Europa Ocidental – a cujo desenvolvimento o direito brasileiro deve sua origem -, em que a institucionalização estatal era praticamente inexistente. Não por coincidência, portanto, o advento do renascimento, cultural e econômico, dessa região, e o fortalecimento de idéias baseadas na razão e no antropocentrismo, tornaram-no objeto de críticas.

Gradativamente, passou-se a reconhecer a importância de averiguar a existência de quaisquer elementos, tais como o testemunho de pessoas que houvessem presenciado a prática criminosa (e não meramente de pessoas que pudessem depor favoravelmente ao caráter do acusado, por exemplo, como por muito tempo ocorreu) ou indícios que apontassem a materialidade e a autoria dos delitos sobre os quais pairavam suspeitas, para um julgamento mais justo e correto dos acusados aos quais eram imputadas práticas consideradas criminosas. O sistema dos ordálios, assim, caiu em desuso surgindo em seu lugar a crença, até hoje vigente, de que apenas a busca pela verdade poderia fundamentar o julgamento.

b) Sistema da prova legal. A fim de evitar o autoritarismo dos juízes da época e a discrepância entre os julgamentos, surgiu o sistema da prova legal. Nesse sistema, o juiz não tinha qualquer liberdade na apreciação da prova, que era pré-valorada na própria lei. Assim, a legislação processual fixava uma hierarquia entre os meios de prova. Nesse contexto, a confissão, por exemplo, recebia maior valor, contando-se, ainda, numa escala puramente aritmética, o número de pessoas que se dispusessem a testemunhar contra ou a favor do acusado. O somatório final, única tarefa que cabia ao julgador, determinava a culpa do réu. Nesse sistema surgiu o brocardo “testis unus, testis nullus”, pelo qual se exigia mais de um testemunho para que houvesse validade legal. Ao juiz ou tribunal não era permitido levar em conta provas que não estivessem nos autos - “quod non est in actis non est in mundo.

Para Lessona, o princípio teve origem no procedimento bárbaro, tendo sido reforçado por máximas de direito canônico, que procuravam reduzir ao máximo o arbítrio do julgador pela codificação de regras de experiência de há muito observadas e testadas, em busca da verdade real. Em resumo, neste sistema as condições de admissibilidade eram abstratamente preestabelecidas, e se aplicavam a todas as hipóteses que apresentavam aquelas características, independente de outras circunstâncias ou considerações.

c) Sistema da livre convicção (prova livre ou íntima convicção). Em completo antagonismo em relação ao sistema da prova legal, anteriormente abordado, existe o sistema da livre convicção, segundo o qual o julgador tem total liberdade para decidir, podendo, para tanto, amparar-se inclusive em elementos que não tenham sido trazidos aos autos e valorar as provas de modo soberano, inexistindo qualquer obrigação, de sua parte, de motivar as decisões ou de expor as razões de seu julgamento. No Brasil, perdura esse sistema nos julgamentos do Tribunal do Júri, cujas decisões, como se sabe, não são motivadas.

d) Sistema da persuasão racional (livre convencimento motivado). Nele o juiz formará livremente a sua convicção, apreciando o conjunto probatório e valorando racionalmente os elementos de prova independentemente de qualquer tarifação legal. Deve, no entanto, fundamentar as suas decisões, pautando-as nos elementos que foram carreados aos autos. É, conforme já mencionado, o sistema adotado no processo penal brasileiro (à exceção do Tribunal do Júri). Com efeito, a própria Constituição Federal dispõe que os julgamentos dos órgãos judiciários serão fundamentos, sob pena de nulidade (art. 93, IX), enquanto o Código de Processo Penal assegura ao juiz a liberdade na apreciação da prova produzida sob a égide do contraditório, sendo-lhe vedado apoiar-se exclusivamente na prova colhida na fase de investigação, ressalvadas as hipóteses de provas cautelares, provas irrepetíveis e provas antecipadas (art. 155, caput, do CPP).

As provas cautelares são aquelas produzidas antes do momento oportuno, em razão de situação de urgência. O art. 225 do CPP, por exemplo, prevê situações que autorizam a oitiva de testemunhas fora da fase adequada. Já as provas irrepetíveis, como o próprio nome indica, não podem ser reproduzidas em juízo, como ocorre com inúmeras perícias realizadas no inquérito policial. Finalmente, as provas antecipadas decorrem do poder geral de cautela do juiz, de ordenar, ex officio, a realização de provas consideradas urgentes e relevantes, antes mesmo da ação penal, se preenchidos os sub-requisitos do princípio da proporcionalidade, ex vi do disposto no art. 156, I, do CPP.

O sistema da persuasão racional é uma maneira de garantir flexibilidade aos julgamentos, evitando situações manifestamente injustas ensejadas pela adoção cega do sistema da prova legal, sem, por outro lado, recair no excessivo arbítrio concedido aos juízes pelo sistema do livre convencimento absoluto, permitindo um controle objetivo sobre a legalidade das decisões.

  
FONTE: BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5ª edição. Editora Saraiva, 2010.