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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Interrogatório silencioso.

Diz a sabedoria popular, sempre mestra em matéria de bom senso, que falar é de prata e calar é de ouro. Realmente, muitas vezes é melhor ficar em silêncio do que falar sobre fatos que nos prejudicam ou coisas de que mais tarde nos envergonharemos, ou que preferiremos jamais ter mencionado. Em caso de dúvida, pois, mais vale a pena quietar. Mas isso não significa que sempre se deva fechar a boca, pois há horas nas quais o silêncio fala com eloquência e isso pode ser usado contra nós.
Na Faculdade de Direito, aprendi antiga máxima do Direito, que reza: “Qui tacet consentire videtur” (Quem cala parece consentir).
Recentemente, o “Qui tacet consentire videtur“, como na omissão penal normativa, vem recebendo um complemento muito oportuno, passando a ser formulado de modo mais restritivo: “Qui tacet, ubi loqui potuit et debuit, consentire videtur” (Quem cala quando podia e devia falar, parece consentir). De fato, há ocasiões em que se deve falar, como oportunidades apropriadas para o silêncio, a melhor resposta. Existem momentos de calar e de falar, nos ensina a Bíblia: “Tempus tacendi et tempus loquendi” (Ecles. 3,7), com outras palavras, o filósofo latino Sêneca, segundo o qual a sabedoria está em discernir a hora de falar e a de silenciar: “Magna res est vocis et silentii tempora nosse” (Grande coisa é saber quando é hora de falar e hora de silenciar).
Quando, nas cerimônias da Sexta-Feira Santa, é lido o relato de João sobre a condenação de Cristo, sempre me chamou a atenção um pormenor que, talvez, não desperte interesse especial. É curioso que, quando interrogado por Herodes, Jesus Cristo tenha se calado. Consta: diante da fala interrogatória, “Jesus autem tacebat” (Jesus, porém, se calava). E, logo depois, quando interrogado por Pilatos, Jesus não somente lhe respondeu, mas o fez com tanta eficácia que o convenceu de sua inocência. “Não encontro crime neste homem”, declarou o Governador romano, que, entretanto, cedeu às pressões dos que queriam a morte do Mestre. Foi um Juiz iníquo e sem caráter que condenou Alguém que sabia ser inocente e, com essa pecha, passou para a História, sem embargo de seu gesto teatral e vazio de significado, o de lavar as mãos.
Jesus Cristo, em várias passagens do Evangelho, demonstrou ser advogado dos bons, aliás, o melhor. Basta lembrar, como exemplo, o modo extremamente hábil com que conseguiu salvar da morte a mulher adúltera que estava a ponto de ser apedrejada em cumprimento da lei. Esse advogado habilíssimo, no momento de sua própria condenação, deixou, na diferença de procedimentos adotados diante de Herodes e Pilatos, uma lição de grande valor aos advogados, como também aos acusados, inocentes ou culpados, de todos os tempos: há hora de falar e hora de calar.
Essas ideias me vieram ao espírito quando me decidi a escrever duas linhas sobre um tema que, no presente, vem sendo muito debatido nos meios jurídicos e policiais brasileiros: se o interrogado tem o direito de não abrir a boca na Polícia e no processo criminal, para que, então, existe o interrogatório?
Nossa lei determina a hora de calar.

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